A última do ano
Quero que essa newsletter siga sendo em 2023 o que representou para mim neste ano: um sopro de ar fresco
Escrevo estas linhas mesmo no último dia do ano: deixei a derradeira newsletter para o último minuto da última hora. Tem sido assim esse 2022 de muito trabalho acumulado — e de mais necessidade de organização por aqui.
Mas também confesso que teve muito de proposital: gosto da ideia de aproveitar os dias finais do ano para as reflexões necessárias, de ver no retrovisor lá longe o que ficou para trás (e o que vale a pena deixar mesmo pelo caminho).
A verdade é que ando um tanto cansado do jornalismo gastronômico, ou melhor, do circo que se formou em torno da cobertura gastronômica em geral — e da qual faço parte, tenho que dizer. Jornalistas que se comportam como fãs, assessores que, do outro lado do balcão, mantêm espaço nos meios de imprensa, sites que pagam com “credibilidade” (mas sem dinheiro), “críticos” sem referências que acreditam ser paladinos das verdades, gente que ainda se gaba de ter comido em um sem-número de restaurantes no Instagram.
Este espaço, como já disse antes, tem sido uma fresta de ar agradável nos meus dias de trabalho. Gosto especialmente dos sábados em que fujo dos deadlines para sentar diante do computador e divagar sobre temas que me parecem tão relevantes quando falamos de comida e que nem sempre encontro espaço para abordar nos meios ditos tradicionais: a necessária busca pela ancestralidade, o cheiro da comida como forma de xenofobia, a importância de cozinhar, o colonialismo ainda tão arraigado dos clientes de restaurantes…
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Curioso que algumas das coisas mais interessantes que li este ano também vieram de newsletters, de meios independentes, de novas vozes. Isso é um alento. Mas também um exercício constante para mim, que ainda tenho a função de tentar fazer com que o jornalismo “de comida” (prefiro o termo ao “gastronômico”, tão redutivo) possa ser um tema ensinado, passado e repassado a uma nova geração de profissionais que estão chegando cheios de vontade contar as novas histórias sobre um setor que não para de se desenvolver.
Tento me apegar nisso, nessa pequena chama de esperança que ainda insisto em ver ganhar força como um otimista incorrigível. Nem a rabugice dos 40 tem sido capaz de apagá-la. Ainda bem!
Mas queria mesmo poder fazer deste um espaço mais colaborativo para os poucos milhares de leitores fiéis que recebem essa newsletter (cada vez mais esporádica) em suas caixas de correio. O que é que gostariam de ler aqui? Sobre que assuntos deveria eu investigar e discorrer nesse novo ano? Façam suas resoluções e me mandem se quiserem (o e-mail é o de sempre: tonon.rafa@gmail.com). Ando pensando em como manter essa newsletter mais ativa (e se vocês estariam dispostos a ajudar com quantias para financiar o trabalho que envolve mantê-la: sim ou não?).
A meta de 2023 é ser mais organizado, mais colaborativo e, se tudo der certo, menos rabugento. Farei as mandingas todas na noite de hoje e prometo voltar mais leve no ano que vem, que já é agora.
Feliz ano todo!
Como uma newsletter de final de ano, faço aqui um compilado (sem qualquer pretensão) de listas, indicações e resoluções.
Aqui, a minha retrospectiva das minhas melhores experiências de 2022 (no Instagram)
⛔️ Coisas que espero não encontrar mais nas mesas em 2023:
Tartelettes em todo lugar.
Caviar em cima de tudo: coxinha, frango frito, waffle(!).
A hegemonia dos carabineiros.
Gentrificação de ingredientes (sabe quando um grupo de chefs pega num produto muito trivial e o transformam em culto? Então!).
Apenas águas importadas nos menus.
Menus monossilábicos e garçons verborrágicos.
Explicações sobre tudo: chega de palestras, peloamordedeus.
Carne sendo chamada de proteína nos menus.
Vegetais sendo vendidos como carne: “steak” de couve-flor não, por favor!\
Comidas “plant-based” (por que não mais vegetais de verdade?)
✅ Coisas que quero ver mais nos restaurantes em 2023:
Menos menu-degustação, mais liberdade para escolher.
O café valorizado — e não qualquer merda para acompanhar a conta.
Cartas de vinho mais acessíveis (e surpreendentes).
Mais mulheres, mais negros, mais imigrantes em posições de destaque (ainda é um setor muito inclusivo, mas de grande desigualdade de oportunidades).
(Ainda) mais cozinha africana, latino-americana, indiana…
Menos reportagens sobre restaurantes, mais reportagens sobre a cadeia de produção.
Receitas chamadas pelo nome (e não por uma tentativa estúpida de comparação para “fazer o cliente entender melhor”. O cliente não é burro, melhorem!)
Mais serviço amigável sem ser amigão.
“Microdosing” alcoólica: a popularização de mini coquetéis, mais opções de taças, pairings tamanho “P”.
Maior conscientização à mesa: dos comensais, claro, que precisam entender o que envolve comer salmão, produtos fora de temporada e “o impacto de suas escolhas à mesa” (para parafrasear meu livro); mas sobretudo de chefs: até quando teremos em um menu comida que seria possível alimentar três pessoas em prol que ele possa mostrar todo seu talento?
📚 O que li de melhor em 2022
Essa entrevista do sempre brilhante Miguel Esteves Cardoso, a quem leio com certa devoção e esperança de aprender a escrever melhor.
Toda a cobertura do Kenny Torrella para a Vox e o tanto que aprendi com ele esse ano, principalmente sobre os perigos dos produtos plant-based (Pensar que existe um repórter para cobrir apenas o mercado de carne é um luxo no jornalismo de hoje).
Sou fã dos ensaios da Ligaya Mishan na T Magazine, mas esse (sobre como a cultura pode ser definida pela comida) foi um dos meus preferidos em um ano em que ela se superou na cobertura gastronômica: pelo olhar, pela profundidade com que trata os temas. Craque!
Essa reportagem especial da Meghan McCarron para o Eater sobre o lado sombrio do conto de fadas contado pelo Blue Hill at Stone Barns nos últimos anos: como é importante quando o jornalismo vai além do superficial que domina a gastronomia.
Esse artigo da Bee Wilson sobre como a comida pode salvar corações partidos: um relato visceral mas ainda assim tão generoso sobre aquilo que comemos e preparamos para nós mesmos e para quem amamos.
Os textos da Alicia Kennedy na ótima newsletter que ela mantém (com 25 mil inscritos!) é prova de que há um novo jornalismo a nos rondar (ainda bem). E esse ensaio sobre a crise de um estilo de vida em ser um profissional nos tempos digitais é um dedo na ferida que tem sido toda a minha angústia deste ano
Esse relato muito pessoal do Julián Otero (chef do Mugaritz) que mostra como os restaurantes se tornaram espaços nocivos e propícios para problemas de saúde mental de quem trabalha neles.
Tá bem, não li, ouvi. Mas é excelente essa entrevista do Pete Wells (o crítico de restaurantes do NYT) falando sobre seu ofício, pandemia e como tudo mudou. Gosto especialmente do final, quando ele defende o direito de restaurantes pequenos serem os melhores do ano — e faz uma analogia muito interessante sobre a crítica em outras áreas, como no cinema.
Gostava de ler mais opinião e mais crítica gastronómica a seria. Porque neste momento, em Portugal por exemplo, apenas há um ou dois que escrevem bem e com noção.
Descobri a pouco tempo a sua newsletter e gosto muito do que escreve.
Concordo e sinto como vc sobre esse circo todo. Como profissional de confeitaria percebo a mesma coisa. Dá mesmo um certo cansaço de pensar que um doce tem que pular e virar estrela.