Caem as máscaras
Variante delta obriga países recuarem de flexibilizações e se torna uma questão política para restaurantes
As máscaras caíram cedo demais. Desde que alguns países — como Israel, Estados Unidos e Reino Unido — conseguiram impor um ritmo “adiantado” às suas vacinações, seus respectivos governos acharam que já era hora de flexibilizar algumas medidas que vinham sendo adotadas desde o início da pandemia: distanciamentos sociais, o uso de máscaras em espaços abertos e fechados, etc.
Mas veio a delta — a variante mais contagiosa do que o vírus causador da MERS, do que o ebola, o resfriado comum, a gripe sazonal e a varíola, e é tão transmissível quanto a catapora — para frustrar quaisquer planos de otimismo. Estudos apontam que a carga viral dos infectados é até 1.260 vezes maior do que nos afetados com variantes anteriores do vírus causador da Covid-19.
Mesmo entre os já imunizados com duas doses da vacina a infecção se alastra (ainda que com poucas chances de hospitalização e menos ainda de mortes). Nos EUA, onde o Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) tinha cantado uma vitória antecipada sobre o vírus, a recomendação é que as pessoas voltem a usar máscaras quando os distanciamentos não puderem ser garantidos. Ali, onde a doença ainda tem levado a muitos óbitos, as resoluções voltaram a ser um caso de saúde nacional.
Em voga, a discussão sobre aqueles que arbitrariamente decidiram não se vacinar. Algo que se tornou uma questão política inclusive entre restaurantes, bares e cafeterias do país. Muitos deles estão pedindo comprovante de vacinação para receber seus clientes — ainda que, em muitos estados, isso não seja uma decisão governamental. Ou então, ao menos um teste negativo à Covid-19.
Embora a decisão possa significar que alguns clientes sejam recusados (seja porque não foram vacinados ou porque não podem mostrar a prova de sua vacinação) precisamente quando os pequenos negócios mais precisam deles, a decisão de permitir que apenas pessoas vacinadas entrem está sendo tomada “em um esforço para manter que nossos clientes e funcionários estão seguros”, como disse um bar de Los Angeles em uma postagem do Instagram. O grupo do famoso empresário Danny Meyer foi além e anunciou que vai exigir comprovante de vacina a clientes, mas também a todos seus funcionários.
Um dos primeiros a adotar a medida foi o Dame, em NY. “Não podemos controlar se a pessoa ao nosso lado no metrô está usando uma máscara, mas podemos controlar quem pode entrar por nossas portas”, disse a proprietária do restaurante, Patricia Howard. Muitos que seguiram o exemplo foram alvo de críticas nas redes sociais — especialmente dos negacionistas da vacina, que dizem não querer tomar suas doses sob nenhuma circunstância.
“É uma segregação o que estão fazendo”, esbravejou uma usuária no Instagram no perfil do restaurante Contra. O perfil oficial da casa respondeu que “quem não quer tomar vacina, pode escolher fazer um teste para comprovar que está negativo. Não se trata de segregação, mas justamente do contrário”. Curioso que sejam os restaurantes — e não os governos — a impor tais medidas, como acontece em países como Portugal e Espanha (que os donos precisam adotar essas exigências, mas impostas pelos líderes políticos).
A decisão de restringir o acesso de indivíduos não vacinados também envolve pressão social. Uma grande parte dos atuais surtos tem acontecido em populações mais jovens que são elegíveis para receber a vacina (em alguns países já amplamente disponíveis), mas que ainda estão hesitantes por uma série de razões.
Tornar a vida diária dessas pessoas menos conveniente — digamos, exigindo testes diários antes de entrar no local de trabalho (como comunicado por gigantes como o Google) ou proibindo-as de entrar em alguns locais — poderia ser uma ferramenta eficaz para aumentar a taxa geral de vacinação, dizem alguns especialistas.
Quando se trata de um problema que envolve toda a sociedade, os lugares que são palco para ela precisam se posicionar. São neles que a vida social tende a seguir sua normalidade. Que não seja a custo de mais de vidas por conta daqueles que preferem estar do outro lado.
O ponto da semana 🥩
BEM PASSADO
👍🏼 Claro que, como jornalista, eu sempre vejo anúncios assim com uma dose extra de ceticismo, mas não deixa de ser sintomático que a Bayer tenha vindo a público afirmar que vai banir o uso de glifosato em algumas de suas formulações nos EUA a partir de 2023. É uma medida para escapar aos litígios (sob alegação de formação de linfomas em pessoas em contato com a substância) que responde na justiça e que já somam mais de US$ 4,5 milhões, é claro. Mesmo assim, é boa notícia.
MAL PASSADO
👎🏼 Em uma tentativa de estarem mais próximas à natureza — e evitar idas ao mercado para comprar ovos — muitas pessoas compraram galinhas para seus quintais. Mas aí elas perceberam que ter um animal em casa é muito mais complexo do que imaginava, e agora querem devolvê-las. Organizações reportam dificuldades em resgatar todas as galinhas que já não têm moradia.
Visite nossa cozinha 🍳
“Não podemos deixar que a memória gastronómica das nossas crianças seja propriedade da indústria de alimentos”, afirma o chef espanhol Xanty Elías, que coordena o projeto “Los Niños se Comen El Futuro", que pretende educar as próximas gerações sobre de uma alimentação mais saudável. Minha entrevista com ele no Fine Dining Lovers.
Garfadas da semana🍴
Como foragers negros encontraram liberdade para um legado de segregação de terras ao buscar alimentos na natureza [The New York Times]
Os tomates têm capacidade de se comunicar entre si para avisar sobre ameaças de pragas [G1]
Por que os frutos do mar (ou mariscos) estão se esvaindo dos menus dos restaurantes nos EUA? [Bloomberg]
Já se passaram dez anos(!) desde que o El Bulli, o restaurante mais influente da gastronomia moderna, realizou seu último jantar. E o Ferran Adrià deu uma entrevista sobre legado e futuro [El País / La Vanguardia]
Feito com tempo: como o dashi se tornou um preparo passado por gerações de japoneses — com segredos e muita paciência [Nossa UOL]
A nova onda de podcasts e revistas independentes que decidiram examinar as questões políticas e culturais por trás da comida — já que os meus tradicionais parecem menos dispostos a isso [The Guardian]
Os bares seguem obcecados com a cultura criada durante os tempos da Proibição. Mas por que tanta nostalgia pode lhes fazer mal? [Punch]
Uma lei que exige maior bem estar dos animais pode colocar em risco a produção de bacon na Califórnia [AP]
Chegou o momento de tornar sua cozinha mais sustentável [Eater]
Por que o cacio e pepe virou uma febre mundial? [The Los Angeles Times]
Utilidade pública: aqui as melhores maneiras de preparar bacon [Food52]