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dmqs's avatar

O penúltimo parágrafo expressa, na minha opinião, as contradições do capitalismo. A citação de Leonhardt indica algo que não existe. "Consciência das empresas" não há, nunca houve, porque empresas operam explorando o trabalho e competindo entre si no mercado em busca de lucro. Não há concorrência capitalista ética - as exigências éticas vêm de outras dimensões da vida, mas não organização da produção capitalista. Assim, dizer que "uma sociedade pobre não é boa nem mesmo para os negócios" é uma constatação que nos mostra as contradições estruturais, também explicada pela lógica da relação capital-trabalho: o capitalismo é ilógico e leva ao decréscimo da taxa de lucro dos empresários. As formas de contornar isso têm sido o aprofundamento da hiperexploração do trabalho (com precarização) e das formas de produção de matéria-prima (também mais hiperexploradas), mas não é mesmo uma saída. Tudo se esgota, tudo tem limite. Quando, por exemplo, o Michael Pollan fala da estratégia neoliberal na produção de milho nos EUA ele está tratando disso, embora não mobilize os conceitos da economia clássica ou a interpretação do Marx pra esse tipo de fenômeno: a proteção da produção do milho leva ao decréscimo da taxa de lucro (ou seja, é expressão da lei tendencial da queda da taxa de lucro), mas que o subsídio direto aos fazendeiros incentiva que mantenham a cultura do milho, apesar do baixo preço do mercado (que vai cair ainda mais, com alta oferta), daí eles vão lá se endividar para comprar mais maquinário (trabalho morto) pra ganhar uma fatia de mercado maior, mas que logo mais será alcançada pelos demais, e o preço cai ainda mais. O que vem sustentando isso é, sim, o Estado e as políticas de regulação tomadas nesse âmbito. E por isso o lobby das meia dúzia de indústrias que realmente ganham dinheiro ultraprocessando milho é tão importante. Elas sustentam um sistema que destrói florestas, esgota o solo, polui mananciais, paga cada vez menos quem produz no campo, hiperexplora quem produz na fábrica, afoga os consumidores nos ultraprocessados de commodities, adoece a população com comida envenenada e dita os parâmetros de produção de alimentos (e substâncias comestíveis) pros animais, nós inclusos. Isso sem contar a divisão internacional da produção, né, no Brasil isso obviamente é pior. Na pandemia, há mais oportunidade de precarizar a vida do ponto de vista capitalista, né. O que importa é o balanço de dividendos para os investidores, não se tem comida no prato. Para cair no clichê de citar necropolítica, conceito da vez, o andar de cima sabe bem"quem se deixa viver e quem se deixa morrer". Não adianta voluntarismo de uma ou outra empresa, o que importa analisar é como o sistema de competição entre elas gira. Não há saída dentro desse modelo, não há possibilidade de reforma no capitalismo, porque os interesses estruturais de quem efetivamente produz e de quem explora o grupo que produz não são conciliáveis - entendo que nossa morte não é uma alternativa justa.

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Fernanda Mori's avatar

Rafael, as newsletters estão fantásticas. Parabéns! É uma alternativa excelente para discutir as perspectivas política e cultural da comida (para além de receitas e críticas de restaurantes). Sobre o tema desta semana, ele reforça muito a ideia do que ouvi nestes dias: algo como "o futuro da inovação é olhar para as antigas tradições". Também nessa linha, gostaria de dar uma dica: o documentário "Kiss the ground", sobre a importância da regeneração dos solos para a captura de carbono da atmosfera (com soluções regenerativas na agricultura e na pecuária). Abraços.

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